Catarina Gomes Santos: “Parte da beleza do Direito reside no facto de não se tratar de uma ciência exata”

Sexta-feira, Julho 11, 2025 - 16:08

Catarina Gomes Santos é docente do 1.º Ciclo de Estudos na Faculdade de Direito – Escola do Porto da Universidade Católica Portuguesa e acaba de concluir o seu Doutoramento na área do Direito, cujo tema principal foi a crise da empresa e a cessação do contrato de trabalho. Recorda esta etapa como exigente, marcada por momentos de descoberta, crescimento pessoal e académico. Foi no equilíbrio entre a maternidade e a investigação que encontrou uma motivação renovada: “À medida que ia avançando na investigação, surgiam novas questões, e, com elas, renovadas oportunidades de reflexão sobre os temas que me propunha tratar”.

 

Professora Catarina, antes de mais, os nossos parabéns pela conclusão do Doutoramento. Como descreveria o percurso até à defesa da tese?

Muito obrigada! É usual dizer-se que o doutoramento se assemelha a uma maratona: um percurso longo, solitário, feito de altos e baixos, de momentos de entusiasmo e de desalento, de motivação e de descrença. Comigo foi exatamente assim: duvidei por diversas vezes da valia da minha investigação e até das minhas capacidades como académica. Porém, a dada altura, fiz um pacto comigo mesma: concluiria a tese apesar de todas as dúvidas. Foi nesse exato momento - que coincidiu com o nascimento da minha filha - que a tese deixou de constituir um "Adamastor" e passou a representar um desafio que eu decidi abraçar com determinação e entusiasmo. E a verdade é que a motivação surge da ação: à medida que ia avançando na investigação, surgiam novas questões, e, com elas, renovadas oportunidades de reflexão sobre os temas que me propunha tratar. Devo, porém, realçar que a concessão da dispensa de serviço docente durante dois semestres foi decisiva para a conclusão da tese, o que muito agradeço ao Diretor da Escola de Direito da UCP Porto, Senhor Professor Doutor Manuel Fontaine.  Uma vez entregue a tese, senti que o mais difícil estava feito. A defesa seria agendada para poucos meses depois e, contrariamente ao que esperava, não senti especial nervosismo nem na preparação, nem no dia da prova. Estava pacificada com o resultado da minha investigação e com as posições defendidas no texto: tratava-se, afinal, apenas e tão só, de defender o meu trabalho, as minhas reflexões, ciente de que parte da beleza do Direito reside no facto de não se tratar de uma ciência exata, enriquecendo-se, ao invés, com a pluralidade de entendimentos e interpretações.

 

Pode partilhar connosco o tema da sua investigação e o que a motivou a escolhê-lo?

O título da minha tese é "Crise da empresa e cessação do contrato de trabalho: os meios de tutela juslaboral". A minha investigação centrou-se em torno da análise dos mecanismos extintivos do contrato de trabalho promovidos pelo empregador em situações de crise empresarial, designadamente, o despedimento coletivo, o despedimento por extinção do posto de trabalho e a caducidade por encerramento total e definitivo da empresa. Abordei, em particular, a cessação dos vínculos laborais num contexto de insolvência do empregador, assim como o tratamento que os créditos laborais merecem no processo de insolvência stricto sensu, bem como nos processos pré-insolvenciais (PER e RERE). Analisei, ainda, os mecanismos de tutela que o Código do Trabalho prevê a favor dos créditos laborais, em especial, os privilégios creditórios, a responsabilidade solidária das sociedades coligadas, a responsabilidade de sócios, gerentes e administradores e o Fundo de Garantia Salarial. No capítulo introdutório, abordei a relação dialética entre crise económica e crise do Direito do Trabalho, analisando o movimento de flexibilização da legislação laboral ocorrido nas últimas décadas e a consequente "perda de identidade" deste ramo do Direito que, recorde-se, se autonomizou do Direito Civil para compensar a assimetria estrutural da relação de trabalho, protegendo o trabalhador enquanto parte contratual mais débil.

A escolha do tema da minha investigação deveu-se ao facto de, desde os bancos da Faculdade, sentir alguma perplexidade no confronto entre, por um lado, o regime constitucional de proteção do vínculo laboral, traduzido, em particular, no princípio da segurança no emprego e na proibição dos despedimentos sem justa causa (art. 53º da CRP), que, na linha de instrumentos normativos supranacionais (v.g. a Convenção nº 158 da OIT), assume um pendor acentuadamente restritivo das decisões empresariais de despedimento, e, por outro, o regime ordinário dos despedimentos objetivos ou por motivos económicos, vertido no nosso Código do Trabalho, e a leitura pouco exigente que do mesmo vem sendo feita por alguma doutrina e jurisprudência.

 

Em que medida considera que a sua investigação pode ter impacto no mundo académico e profissional?

Independentemente de se concordar ou não com a visão que defendo, julgo que a minha investigação poderá ser útil aos práticos do Direito (consultores jurídicos, advogados, juízes ... ) que se confrontem com a necessidade de aconselhar empresas ou trabalhadores em relação aos temas tratados - despedimentos objetivos, insolvência do empregador, tutela de créditos laborais ... - , na medida em que reúno no texto os principais contributos da doutrina e jurisprudência nacionais (e de países próximos), em confronto com o direito comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por outro lado, para os académicos que se dediquem ao estudo destes temas, a reflexão pessoal e as sugestões de reforma legislativa que fui formulando ao longo da tese poderão contribuir para relançar o debate sobre os mesmos.

 

Que conselhos deixaria a quem pondera iniciar o Doutoramento em Direito?

Para quem pondere iniciar o Doutoramento em Direito diria que é, desde logo, determinante a escolha do tema: embora sujeito a "ajustes" e redefinições ao longo do processo de investigação, o tema central (as "grandes questões") tem de ser aliciante para o próprio investigador, já que será o seu "companheiro de jornada". Por outro lado, também me parece fundamental garantir uma boa comunicação com o orientador, evitando longos períodos de investigação sem o seu "feedback". Por último, embora se trate de uma "frase feita", diria que, em momentos de dúvida ou desmotivação, é essencial "confiar no processo" e seguir em frente, um dia após o outro. Nada como um novo dia após uma boa noite de sono. Se possível, o ideal será apreciar o caminho, sem perder de vista a meta. Todavia, como se trata de uma "corrida de resistência", de um percurso predominantemente solitário (inerente à investigação e à reflexão crítica), é muito fácil duvidar se se consegue chegar à meta: nesses momentos, não hesitem em socorrer-se da vossa rede de apoio (amigos, familiares e até profissionais de saúde, se necessário) e, se possível,  partilhem as dúvidas com outros colegas de Doutoramento (estão todos no "mesmo barco" e todos sentem, em maior ou menor medida, dificuldades semelhantes), assim como com o orientador (ele, melhor do que ninguém, saberá aconselhar sobre a melhor forma de transpor eficazmente o "obstáculo").

Convidamos os interessados a candidatar-se ao nosso Doutoramento em Direito, cujas candidaturas estão abertas até 31 de julho. Como destaca Catarina Gomes Santos, “parte da beleza do Direito reside no facto de não se tratar de uma ciência exata, enriquecendo-se, ao invés, com a pluralidade de entendimentos e interpretações”.

 

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