A 20 de novembro comemora-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos das Crianças. Um dia histórico que merece reflexão. Intrinsecamente ligado a esta temática está o projeto europeu “Hands-Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children” que, durante dois anos, entre outros pontos “analisou a legislação e jurisprudência relativa a direitos das crianças, castigos corporais, violência e maus tratos a crianças para detetar eventuais falhas e sugerir alterações”, refere Conceição Cunha, docente da Faculdade de Direito da Católica no Porto e investigadora do Centro de Estudos em Investigação em Direito (CEID).
Católica no Porto: Quais os principais objetivos do projeto Hands-Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children?
Conceição Cunha: Os principais objetivos do projeto foram: incentivar a cooperação entre diferentes instituições para proteção dos direitos das crianças; consciencializar a sociedade acerca dos efeitos negativos dos castigos corporais em crianças (e, também, de outros castigos humilhantes) e dos perigos associados à “escalada de violência”; promover a adoção de práticas de “disciplina positiva” pelos pais e outros educadores; analisar a legislação e jurisprudência relativa a direitos das crianças, castigos corporais, violência e maus tratos a crianças para detetar eventuais falhas e sugerir alterações.
Católica no Porto: Quais as entidades envolvidas no projeto?
Conceição Cunha: O projeto Hands Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children, cofinanciado pelo Programa da União Europeia de Direitos, Igualdade e Cidadania e gerido pela Direção-Geral da Justiça (DG JUSTIÇA) da Comissão Europeia, teve início em outubro de 2016 e terminou no fim de setembro de 2018. O projeto foi coordenado pela APDES (Portugal) e teve 5 parceiros: a Universidade Católica Portuguesa – Escola de Direito do Porto, o Instituto de Atividades e Práticas Sociais (Bulgária), Caminho (Alemanha), a Universidade de Alicante (Espanha) e “One Child One World” (Grécia).
Católica no Porto: Que tipo de ações foram desenvolvidas?
Conceição Cunha: No âmbito do Projeto desenvolveram-se ações de formação em “disciplina positiva”, dirigidas a pais e outros educadores e campanhas de sensibilização da comunidade; ofereceram-se ainda sessões de formação sobre maus tratos a crianças, quer a profissionais da área da saúde e educação, quer a profissionais da área da justiça; elaborou-se um plano de ação para cada país (participante) com a análise da situação atual, as principais lacunas/problemas no âmbito da proteção dos direitos das crianças e as principais recomendações, quer no domínio jurídico quer social. Para a elaboração deste plano de ação contámos com o contributo de peritos (da área da justiça, saúde, educação, psicologia), que foram ouvidos ao longo de várias reuniões. Na sequência da análise de doutrina, legislação e jurisprudência identificaram-se alguns problemas/lacunas na lei; a Escola de Direito da Católica no Porto foi à Assembleia da República – 1ª Comissão (Igualdade, Direitos, Liberdades e Garantias) sugerir algumas alterações legislativas e a APDES foi propor algumas medidas de caráter social.
Católica no Porto: Quais as principais conclusões do projeto?
Conceição Cunha: Através da análise que fizemos concluímos que os castigos corporais leves e mesmo os moderados ainda são tolerados socialmente e que ainda se recorre, com alguma frequência, a castigos corporais graves (e outro tipo de maus tratos) – quer nas famílias, quer nas instituições que acolhem crianças. Concluímos que há necessidade de consciencializar a comunidade para a importância de proteger os direitos das crianças, promovendo a educação segundo uma “disciplina positiva”, que não recorre a castigos corporais e outros tratamentos humilhantes. Para tal, é importante implementar várias medidas, de entre as quais se destaca a necessidade de oferecer formações a pais e outros educadores, assim como a profissionais da área da saúde, educação e justiça. Destaca-se a falta de formação dos cuidadores nas instituições de acolhimento de crianças, propondo-se a obrigatoriedade de creditação profissional para trabalhar com crianças e adolescentes, uma vez que o trabalho com grupos vulneráveis requer competências e formação específicas.
Católica no Porto: E em relação ao papel dos tribunais?
Conceição Cunha: Por parte dos tribunais verificámos uma recente (mas por vezes ainda insuficiente) evolução no sentido da menor tolerância de castigos graves ou mesmo moderados, sendo ainda necessário apostar na formação de profissionais da área da justiça (polícias, procuradores, juízes, advogados). Apesar da necessidade de se promover uma parentalidade positiva, concluímos que a intervenção penal deverá apenas ocorrer face a condutas com uma certa gravidade (pena como ultima ratio), até porque a intervenção penal face a casos de castigos leves infligidos pelos pais poderia não ser no interesse da criança (aspeto também salientado pelo Comité Europeu dos Direitos das Crianças). No entanto, salientámos a oportunidade de uma recomendação às entidades responsáveis por crianças e jovens no sentido de alertar as CPCJ sempre que houver indícios de que a criança se encontra sujeita a castigos corporais ou outro tratamento humilhante por parte de pais, mesmo que não seja caso que justifique a denúncia penal; esta sinalização poderia/deveria conduzir a um acompanhamento parental.
Católica no Porto: No âmbito do projeto Hands- UP foram sugeridas algumas mudanças legislativas. Quais?
Conceição Cunha: No âmbito legislativo sugerimos algumas alterações no sentido de uma mais eficaz proteção das crianças, nomeadamente: no art. 1878º do Código Civil, relativo às responsabilidades parentais, propusemos um nº 3, com a seguinte redação: “No cumprimento das responsabilidades educativas os pais devem respeitar os filhos, não os sujeitando a castigos físicos ou tratamento humilhante” (sublinhando, assim, que existem ainda outras práticas educativas que não envolvem castigo físico, mas que podem ser humilhantes e que devem, de igual forma, ser proibidas). No Código Penal, no âmbito do crime de violência doméstica (art. art. 152º), que exige a coabitação entre o/a agressor/a e a vítima (tratando-se de criança, pessoa idosa ou doente), propusemos alargar a criminalização a “descendentes e ascendentes”, mesmo sem coabitação, de forma a permitir a punição, por este crime, do/a progenitor/a que não viva com o/a filho/a, mas que usa de violência sobre ele/a, por exemplo, no exercício dos seus direitos de visita. Assim, o art. 152º, nº 1, al. d) passaria a ter a seguinte redação: “A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite ou que seja seu descendente ou ascendente”. Propusemos ainda a inclusão, no elenco das penas acessórias (art. 152º, nº 4), da seguinte pena: “Frequentar programas específicos de parentalidade positiva”.
Católica no Porto: E relativamente ao crime de maus tratos?
Conceição Cunha: Relativamente ao crime de maus tratos (art. 152º A), que é aplicado no contexto institucional (por exemplo, crianças maltratadas na instituição onde estão acolhidas), mas não prevê penas acessórias, propusemos a criação de um n.º 3 e de um n.º 4, com a previsão de tais penas, nomeadamente a proibição de contacto com a vítima e a proibição de uso e porte de armas, a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de maus tratos e/ou de educação positiva, assim como a possibilidade de o agente ser proibido de exercer funções que impliquem o contacto com crianças.
A 20 de novembro comemora-se o Dia Internacional dos Direitos Humanos das Crianças. Um dia histórico que merece reflexão. Intrinsecamente ligado a esta temática está o projeto europeu “Hands-Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children” que, durante dois anos, entre outros pontos “analisou a legislação e jurisprudência relativa a direitos das crianças, castigos corporais, violência e maus tratos a crianças para detetar eventuais falhas e sugerir alterações”, refere Conceição Cunha, docente da Faculdade de Direito da Católica no Porto e investigadora do Centro de Estudos em Investigação em Direito (CEID).
Católica no Porto: Quais os principais objetivos do projeto Hands-Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children?
Conceição Cunha: Os principais objetivos do projeto foram: incentivar a cooperação entre diferentes instituições para proteção dos direitos das crianças; consciencializar a sociedade acerca dos efeitos negativos dos castigos corporais em crianças (e, também, de outros castigos humilhantes) e dos perigos associados à “escalada de violência”; promover a adoção de práticas de “disciplina positiva” pelos pais e outros educadores; analisar a legislação e jurisprudência relativa a direitos das crianças, castigos corporais, violência e maus tratos a crianças para detetar eventuais falhas e sugerir alterações.
Católica no Porto: Quais as entidades envolvidas no projeto?
Conceição Cunha: O projeto Hands Up: Promoting the Effective Elimination of Corporal Punishment Against Children, cofinanciado pelo Programa da União Europeia de Direitos, Igualdade e Cidadania e gerido pela Direção-Geral da Justiça (DG JUSTIÇA) da Comissão Europeia, teve início em outubro de 2016 e terminou no fim de setembro de 2018. O projeto foi coordenado pela APDES (Portugal) e teve 5 parceiros: a Universidade Católica Portuguesa – Escola de Direito do Porto, o Instituto de Atividades e Práticas Sociais (Bulgária), Caminho (Alemanha), a Universidade de Alicante (Espanha) e “One Child One World” (Grécia).
Católica no Porto: Que tipo de ações foram desenvolvidas?
Conceição Cunha: No âmbito do Projeto desenvolveram-se ações de formação em “disciplina positiva”, dirigidas a pais e outros educadores e campanhas de sensibilização da comunidade; ofereceram-se ainda sessões de formação sobre maus tratos a crianças, quer a profissionais da área da saúde e educação, quer a profissionais da área da justiça; elaborou-se um plano de ação para cada país (participante) com a análise da situação atual, as principais lacunas/problemas no âmbito da proteção dos direitos das crianças e as principais recomendações, quer no domínio jurídico quer social. Para a elaboração deste plano de ação contámos com o contributo de peritos (da área da justiça, saúde, educação, psicologia), que foram ouvidos ao longo de várias reuniões. Na sequência da análise de doutrina, legislação e jurisprudência identificaram-se alguns problemas/lacunas na lei; a Escola de Direito da Católica no Porto foi à Assembleia da República – 1ª Comissão (Igualdade, Direitos, Liberdades e Garantias) sugerir algumas alterações legislativas e a APDES foi propor algumas medidas de caráter social.
Católica no Porto: Quais as principais conclusões do projeto?
Conceição Cunha: Através da análise que fizemos concluímos que os castigos corporais leves e mesmo os moderados ainda são tolerados socialmente e que ainda se recorre, com alguma frequência, a castigos corporais graves (e outro tipo de maus tratos) – quer nas famílias, quer nas instituições que acolhem crianças. Concluímos que há necessidade de consciencializar a comunidade para a importância de proteger os direitos das crianças, promovendo a educação segundo uma “disciplina positiva”, que não recorre a castigos corporais e outros tratamentos humilhantes. Para tal, é importante implementar várias medidas, de entre as quais se destaca a necessidade de oferecer formações a pais e outros educadores, assim como a profissionais da área da saúde, educação e justiça. Destaca-se a falta de formação dos cuidadores nas instituições de acolhimento de crianças, propondo-se a obrigatoriedade de creditação profissional para trabalhar com crianças e adolescentes, uma vez que o trabalho com grupos vulneráveis requer competências e formação específicas.
Católica no Porto: E em relação ao papel dos tribunais?
Conceição Cunha: Por parte dos tribunais verificámos uma recente (mas por vezes ainda insuficiente) evolução no sentido da menor tolerância de castigos graves ou mesmo moderados, sendo ainda necessário apostar na formação de profissionais da área da justiça (polícias, procuradores, juízes, advogados). Apesar da necessidade de se promover uma parentalidade positiva, concluímos que a intervenção penal deverá apenas ocorrer face a condutas com uma certa gravidade (pena como ultima ratio), até porque a intervenção penal face a casos de castigos leves infligidos pelos pais poderia não ser no interesse da criança (aspeto também salientado pelo Comité Europeu dos Direitos das Crianças). No entanto, salientámos a oportunidade de uma recomendação às entidades responsáveis por crianças e jovens no sentido de alertar as CPCJ sempre que houver indícios de que a criança se encontra sujeita a castigos corporais ou outro tratamento humilhante por parte de pais, mesmo que não seja caso que justifique a denúncia penal; esta sinalização poderia/deveria conduzir a um acompanhamento parental.
Católica no Porto: No âmbito do projeto Hands- UP foram sugeridas algumas mudanças legislativas. Quais?
Conceição Cunha: No âmbito legislativo sugerimos algumas alterações no sentido de uma mais eficaz proteção das crianças, nomeadamente: no art. 1878º do Código Civil, relativo às responsabilidades parentais, propusemos um nº 3, com a seguinte redação: “No cumprimento das responsabilidades educativas os pais devem respeitar os filhos, não os sujeitando a castigos físicos ou tratamento humilhante” (sublinhando, assim, que existem ainda outras práticas educativas que não envolvem castigo físico, mas que podem ser humilhantes e que devem, de igual forma, ser proibidas). No Código Penal, no âmbito do crime de violência doméstica (art. art. 152º), que exige a coabitação entre o/a agressor/a e a vítima (tratando-se de criança, pessoa idosa ou doente), propusemos alargar a criminalização a “descendentes e ascendentes”, mesmo sem coabitação, de forma a permitir a punição, por este crime, do/a progenitor/a que não viva com o/a filho/a, mas que usa de violência sobre ele/a, por exemplo, no exercício dos seus direitos de visita. Assim, o art. 152º, nº 1, al. d) passaria a ter a seguinte redação: “A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite ou que seja seu descendente ou ascendente”. Propusemos ainda a inclusão, no elenco das penas acessórias (art. 152º, nº 4), da seguinte pena: “Frequentar programas específicos de parentalidade positiva”.
Católica no Porto: E relativamente ao crime de maus tratos?
Conceição Cunha: Relativamente ao crime de maus tratos (art. 152º A), que é aplicado no contexto institucional (por exemplo, crianças maltratadas na instituição onde estão acolhidas), mas não prevê penas acessórias, propusemos a criação de um n.º 3 e de um n.º 4, com a previsão de tais penas, nomeadamente a proibição de contacto com a vítima e a proibição de uso e porte de armas, a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de maus tratos e/ou de educação positiva, assim como a possibilidade de o agente ser proibido de exercer funções que impliquem o contacto com crianças.