O perfil do advogado do futuro

Quarta-feira, Maio 26, 2021 - 10:40

A oferta de ensino da Faculdade de Direito procura responder aos desafios que se colocam ao jurista no século XXI, conjugando tradição e inovação, em ordem ao sucesso dos seus estudantes.

Tal como expõe Manuel Fontaine, Diretor da Escola do Porto da Faculdade de Direito, no seu artigo de opinião do Jornal Económico, são vários os desafios que se colocam, nomeadamente: a excelência técnica, aptidões comunicacionais, competências forenses, internacionalização, especialização, interdisciplinaridade e digitalização.

Para percebermos que características de futuros profissionais do Direito são valorizadas pelo mercado, conversamos com Eduardo Castro Marques, sócio da Sociedade de Advogados Cerejeira Namora, Marinho Falcão e alumni da Escola do Porto da Faculdade de Direito:

Que capacidades é que são cada vez mais importantes no exercício da advocacia?
À semelhança do que acontece com muitas outras profissões, na advocacia é cada vez mais importante a capacidade de adaptação a realidades que estão em permanente mutação. As leis, as bases sociais e culturais e os próprios clientes evoluem, as suas necessidades mudam, multiplicam-se e diversificam-se e um advogado, se quer continuar a prestar um serviço com valor, tem de estar na linha da frente, ser flexível e acompanhar essas alterações com estudo, trabalho, criatividade e ousadia. Claro está que ao fazê-lo não pode esquecer a matriz ética que enforma a profissão, permanecendo fiel a um núcleo essencial de valores e princípios que justificam a existência de advogados, tais como a relação de confiança com o cliente, a independência e autonomia, a integridade, entre outros.

Sente que há diferenças a nível de soft skills entre gerações? Em caso afirmativo, quais são as características que particularizam os profissionais que têm recebido ao longo dos últimos anos?
Há diferenças importantes que se relacionam sobretudo com uma mudança de hábitos e quadros fundamentais nas vivências humanas desde a mais tenra infância à vida adulta. Costumo muitas vezes fazer esta comparação: eu ainda faço parte de uma geração onde as crianças e os adolescentes estavam na rua, até nas cidades grandes, sem horários e preocupações. Existia uma certa sensação de liberdade, de responsabilidade e de segurança que se perdeu. A geração a seguir à minha já saiu mais da rua: os amigos juntavam-se na casa uns dos outros para jogar nas consolas ou nos computadores. As gerações mais novas já nem brincam na rua nem em casa dos amigos, as suas experiências são cada vez mais individuais e solitárias. Estão em frente a um ecrã, sozinhas, e a partir daí comunicam com o mundo. E mesmo quando estão com os pares há uma certa artificialidade (basta pensar no sucesso que são os playdates) e um ambiente altamente controlado e regrado.

A geração que hoje está a entrar no mercado de trabalho nasceu e cresceu já num ambiente de demarcada transição, com uma certa prevalência do digital. Esta mudança de paradigma acarreta consequências para a personalidade dos profissionais que nos chegam, que, não obstante muitas vezes estarem tecnicamente mais bem preparados do que as gerações anteriores, estão ainda a desenvolver certas skills que resultam do contacto humano desintermediado pela tecnologia, tal como uma certa ideia de empatia com o outro e com as suas fragilidades que é essencial ao exercício da advocacia, a segurança e confiança na comunicação interpessoal sem ecrãs pelo meio, a capacidade de trabalho em equipa ou a gestão de emoções. E, portanto, se há uma ou duas décadas o cerne do estágio era a aprendizagem técnico-jurídica, hoje o leque de competências que se adquirem é muito mais transversal.

Acha que a literacia digital pode beneficiar as próximas gerações na adaptação aos desafios tecnológicos? Por outro lado, pensa que pode impedir uma atitude mais humana e empática com os clientes e colegas?
A literacia digital, que faz parte daquele grupo que podemos designar por literacias secundárias, é mais importante para as gerações que aqui estão do que propriamente para as próximas. É que essas vão já nascer e crescer completamente submersas num ambiente totalmente digital, com a expensão da Internet das Coisas (IoT) e da Internet do Tudo (IoE), pelo que necessariamente vão estar mais capacitadas para a utilização das ferramentas digitais, sem prejuízo de obviamente ter de existir alguma interiorização no que diz respeito ao uso seguro da tecnologia. Mas ninguém pense que vai ter de ensinar a uma criança de 3 ou 5 anos como é que funciona um smartphone, um computador ou qualquer outro objecto inteligente.

A literacia digital é sobretudo importante para as gerações atuais, a adulta e a mais adulta. São essas gerações que, perante um mundo que os teima em ultrapassar todos os dias, mais precisa de adquirir competências para que se adaptem e permaneçam úteis e a acrescentar valor em colaboração com a tecnologia. Porque, e respondendo à segunda parte da pergunta, há aspectos em que a tecnologia ou nunca substituirá ou só daqui a muito tempo substituirá o ser humano e que passam precisamente pela empatia, pela inteligência emocional, pela solução de dilemas morais, pelo pensamento estratégico em situações altamente complexas, etc. Ora, essas características continuam a ser essenciais na advocacia e não espero que de repente um robot ou uma inteligência artificial substitua um advogado nestes aspectos em que o ser humano faz a diferença.

Se conseguisse traçar um perfil para o “advogado do futuro”, que competências é que incluiria?
O advogado do futuro (e, de certa forma, já o advogado do presente) vai estar num mercado de concorrência global em que ao seu lado estarão colegas humanos e outros digitais (o Ross, o DoNotPay ou a Lara na Airhelp são apenas o início…). Perante esse mercado, esse advogado vai ter aprender a diferenciar-se, a salientar aquelas qualidades que o tornam imprescindível para o cliente, seja a relação de confiança, seja a defesa intransigente dos seus interesses apoiada num quadro deontológico exigente. Mas eu também vejo o advogado do futuro a aproveitar as potencialidades da tecnologia para gerir o seu escritório e a sua actividade, mas para isso é preciso que ele tenha competências que hoje ainda não são requisito, desde conhecimentos na gestão e protecção de dados digitais dos seus clientes, a programação de software e de sistemas de informação, etc. Por outro lado, o advogado do futuro vai operar em rede não só com outros colegas (humanos ou não), mas também com outros profissionais, de forma a darem uma resposta integrada e multifacetada às necessidades dos clientes.  


A Licenciatura em Direito é a escolha natural de quem pretenda dedicar-se a alguma das profissões jurídicas, como a advocacia, a magistratura judicial ou do Ministério Público, os registos e notariado, a consultadoria a empresas, entre outras.