Marta Henriques Pereira: “O meu motor é a res publica: a vontade de contribuir para a causa pública, de servir e de criar impacto positivo.”

Quarta-feira, November 12, 2025 - 15:27
Marta Henriques Pereira

Madeirense de origem e cidadã do mundo por vocação, Marta Henriques Pereira estudou Direito na Universidade Católica no Porto e construiu uma carreira internacional de mais de duas décadas nas Nações Unidas, União Europeia e programas bilaterais com o Governo australiano. Trabalhou em ambientes de conflito e pós-conflito, em contextos de governação frágil e transições políticas complexas, em mais de duas dezenas de países. Jurista de formação, doutoranda em Ciência Política e fundadora das associações Resposta Luso e REDE de Portugueses em Organizações Internacionais, acredita que o verdadeiro sucesso está em transformar a adversidade em propósito e em partilhar o conhecimento para servir a humanidade. 

Quais são as suas principais memórias de infância? 

Cresci na Madeira, num ambiente onde a comunidade era muito presente. As minhas memórias estão cheias de mar, natureza, liberdade e imaginação, mas também do sentido de responsabilidade com os outros e para com a sociedade. Desde cedo percebi que não só tinha -mas também queria- contribuir da melhor forma possível para a humanidade e por isso o serviço público atraía-me. A Madeira deu-me esse equilíbrio entre o local e o global: raízes fortes, mas também asas para sonhar longe. 

 

Porquê estudar Direito? 

Escolhi estudar Direito porque sempre me fascinou o conceito de justiça, entendido não apenas como a aplicação rígida de normas — dura lex, sed lex — mas como um instrumento para organizar a vida em sociedade, permitindo a coexistência pacífica e digna entre os seres humanos. Para mim, o Direito sempre foi mais do que códigos e artigos: foi uma forma de compreender como as regras, quando justas, podem criar pontes entre pessoas e comunidades. Ao mesmo tempo, via no curso de Direito a oportunidade de construir uma base académica sólida, capaz de abrir caminhos para áreas que me atraíam desde cedo - a diplomacia, a governação e a mediação internacional. O Direito deu-me não apenas o rigor analítico e a estrutura de pensamento crítico, mas também a capacidade de dialogar entre diferentes sistemas culturais e institucionais, algo que se tornaria essencial no meu percurso internacional em contextos de paz, segurança e desenvolvimento. 

 

“Na Católica aprendi a valorizar o espírito crítico, a amizade e a coragem de arriscar - qualidades essenciais em qualquer missão internacional.” 

 

Quando é que surge o interesse por uma carreira internacional? 

Depois de fazer o programa Erasmus em Itália. Sempre tive curiosidade pelo mundo e vontade de ir além das fronteiras de Portugal e essa experiência foi a alavanca. Na Católica, aprendi a arriscar e a pensar global e nas Nações Unidas percebi que era esse o meu caminho: contribuir para soluções que fazem diferença à escala mundial. Portugal deu-me a resiliência e a genica, e a identidade portuguesa revelou-se uma força única, ajudando-me a ser mediadora, a criar consensos e a dialogar em cenários de enorme diversidade.   

 

No seu discurso na cerimónia de Abertura do Ano Letivo na Católica disse: “A universidade não é só técnica. É espírito crítico, criatividade, amizade e coragem para arriscar.” Como é que isso se refletiu no seu percurso? 

Na Católica aprendi muito além da técnica. Aprendi a valorizar a amizade, o espírito crítico e a criatividade. Foi na Tuna da Católica que encontrei a minha voz. E encontrei também camaradagem, alegria, disciplina e trabalho em equipa que depois foi essencial na minha vida internacional. Foi uma experiência que me deu coragem para arriscar e abrir caminhos novos, mesmo em contextos difíceis. 

 
Tem mais de 20 anos de carreira internacional em diplomacia, governação, desenvolvimento, paz e segurança. O que é mais desafiante? 

O mais difícil é manter a motivação em ambientes hostis e solitários, mas é aí que a resiliência se transforma em força e propósito. Mas os desfechos não dependem - quase nunca- de nós. Enfrentei muitas derrotas, dificuldades e fracassos e agradeço tudo o que a vida me trouxe, porque foram esses setbacks que geraram a necessidade de continuar a lutar, a olhar para a frente e a refletir de forma criativa sobre como me reposicionar, como fazer melhor. Foi nessas horas que aprendi mais sobre resiliência e sobre a importância de nunca desistir. 

 

“O mais difícil é manter a motivação em ambientes hostis, mas é aí que a resiliência se transforma em propósito.” 

 

Como consultora internacional, como é o seu dia-a-dia de trabalho atualmente? 

Sou consultora para organizações internacionais, atividade que alterno com outras iniciativas: sou empreendedora social - fundadora e presidente de duas associações (Resposta Luso e REDE) -, autora de um livro e de um podcast sobre carreiras internacionais, doutoranda e empresária. E depois tenho a família que está dispersa pela Austrália, por Portugal e agora, também, na Arábia Saudita. A vida podia ser mais fácil - e na verdade é uma loucura - mas não seria tão plena de sentido.  

 

Que conselho daria a estudantes que aspiram a uma carreira internacional? 

O mais importante é a automotivação. Os mentores e tutores ajudam, mas ninguém pode substituir a chama interior de querer aprender e contribuir. O que posso dizer e que sejam fiéis aos vossos princípios e valores cristãos, sejam curiosos, criem redes humanas, mas, sobretudo, não tenham medo de arriscar e de falhar. Eu falhei e errei muitas mais vezes do que tive sucesso, e por isso é que aprendi tanto!  Uma carreira internacional não é uma linha reta: é feita de desafios pessoais, para ultrapassar fronteiras locais que se abrem para horizontes globais.  

 

“A vida internacional não é linear: é feita de quedas, recomeços e da capacidade de transformar falhas em aprendizagem.” 

 

Quais os países onde já viveu e qual é que a marcou de forma particular? 

Timor-Leste marcou-me profundamente, tanto a nível pessoal como profissional. Foi lá que conheci o meu marido - que é australiano- e onde tive a oportunidade de lidar com abordagens diferentes entre a cooperação bilateral (Portugal e Austrália) e a multilateral — as Nações Unidas - muitas vezes com visões e posições e interesses diversos sobre o desenvolvimento. Trabalhando para um programa do governo australiano, tive de aprender a calibrar e manobrar essas diferenças, encontrando pontos de encontro e construindo soluções práticas apesar das tensões. Essa experiência ensinou-me muito sobre a importância do bom senso, da diplomacia, da capacidade de adaptação e resiliência da importância de saber negociar para gerar consensos.   

 
É bom regressar a casa? 

Saí da Madeira há mais de 30 anos, mas é nessa ilha que estão as minhas raízes e o conforto das coisas e pessoas de sempre: o cheiro do mar, as cores, os afetos. Regressar é sempre bom, porque é aqui que recarrego forças e recordo de onde vim. A Madeira é a energia que me dá coragem para partir e também para voltar. 

 
O que é que a move? 

Move-me a necessidade de contribuir para a causa pública — a res publica. Esse é o motor de todas as minhas iniciativas profissionais e filantrópicas, da diplomacia à mediação, das associações que fundei aos projetos que desenvolvo para criar impacto e servir os outros. E, acima de tudo, espero que o meu percurso e as minhas ações possam, de alguma forma, contribuir para tornar o mundo em que vivemos num lugar com mais valor, sentido e humanidade.